terça-feira, 23 de novembro de 2010

AMAZÔNIA EM CHAMAS

Autor: Graciliano Ramos

Quando Deus criou o mundo

Fez tudo com pureza

Ao dia clarear

Fez a terra céu e mar

Dando vida à natureza.

 

E ao norte deste país

Que ainda se chama Brasil

Deixou a grande floresta

Na qual o povo já se alerta

Depois que em chamas consumiu.

 

Deixou o mundo completo

Para a riqueza vegetal

Ele deu perfume às flores

E aos passarinhos multicores

Este reino animal.

 

Mas alguém se preocupa

Seu Camilo não se cansa

Nunca perde a esperança

Pois aquela ave já não canta

Com fumaça na garganta.

 

As castanheiras em toras

A moto-serra está maluca

E o mundo já se preocupa

Cadê o mel e a cumbuca?

Não sobrou pau nem pra arapuca.

 

Foram com pavor

De Norte a Sul

A ariranha e a arara azul

Até fizeram espanador

Do rabo do macaco cuxiú.

VER-O-PESO

Autor: Graciliano Ramos

 

Noite chuva madrugada

Chegada do pescador

Vendedores na calçada

A verdura espalhada

Malandro vira doutor.

 

Trabalhar no Ver-o-Peso

É coisa de madrugador.

 

A bajara no teso

Carregada do interlan

De farol ainda aceso

Chegou ao Ver-o-Peso

Às quatro horas da manhã.

 

Nas barracas de plantas

Está o cheiro de hortelã.

 

Tem melão mangaba e manga

Melancia e tucumã

Para o caboclo manhoso

Tem banho cheiroso

Às seis horas da manhã.

 

Drogados, doutores e soldados

Malandro puta e galã.

 

De beleza bendita

E riqueza que há

Emaranhado à vista

Da janela é mais bonita

A baía de Guajará!

A PRESERVAÇÃO

 

Autor: Graciliano Ramos

 

Deixei de fazer besteira

Vou quebrar a baladeira

Jogar dentro da lixeira

Plantar uma castanheira

De castanha-do-pará.

 

Macaco de galho em galho

Anta não usa chocalho

Inhambu canta no orvalho

Se a floresta é um agasalho

Por que tanto devastar?

 

Na Fazenda Macaxeira

O homem fez grande besteira

Cortando castanheira

Hoje apenas capoeira

Reforma agrária já!

 

Queimaram a vegetação

Hoje apenas poluição

Não tem mais caapora

E tão pouco o curupira

Pois a invasão caipira

 

Destruiu a nossa flora.

Este homem mesquinho

Que pela selva não tem carinho

Um errante sem caminho

Poluiu o rio Sororó

 

E também o Sororozinho!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DROGAS

 

Autor: Graciliano Ramos

Drogas, pra que drogas?

Eu não preciso de drogas

 

Para sobreviver,

Para concorrer,

Para vencer,

Para me conter,

Para eu te ter,

Para te esquecer,

Para o lazer,

Para nascer,

Para morrer

E para dizer

Que amo a vida

Eternamente!

 

Droga, pra que droga,

Se esta vida já é uma droga,

A água potável é uma droga,

O ar que se respira é uma droga?

Os rios, que droga!

O álcool, uma droga!

Os alimentos, outras drogas!

O trânsito urbano, outra droga!

A impunidade, mais que droga!

A economia mundial, outra droga!

A segurança pública, droga!

A política partidária, outra droga!

 

Mas vejam só: com tanta droga,

Só os idiotas usam drogas!

 

Eu não preciso de droga

Para trabalhar,

Para cantar,

Para tocar,

Para me apresentar,

Para falar,

Para dançar,

Para te encontrar,

Para me calar,

Para te abraçar,

Para te amar,

Para te deixar...

Que droga!

 

O café, a cafeína,

Do cigarro a nicotina,

A bebida assassina,

Essa tal de cocaína

Não se deve nunca usar!

Essa erva tão daninha,

Esse pó que alucina,

Na minha veia sanguínea,

Essa arma assassina

Nunca vai me penetrar!

O AÇAIZEIRO

 

Autor: Graciliano Ramos

Dando adeus ao canoeiro

Que lentamente remando passa

O majestoso açaizeiro

Na margem do ribeiro

Balança quando o vento o abraça.

 

Um dia ao firmamento

Tão depressa queria chegar

Mas cresceu fino e lento

Se curvando para o vento

Não para de bailar.

 

Vive sempre açoitado

Pelo forte pampeiro

Nem que eu venha apressado

Paro pra ver teu bailado

Majestoso açaizeiro!

 

És palco da passarada

Que todo dia vem cantar

Depois da noite calada

O sabiá puxa a toada

E tu começas a dançar.

 

Ninguém ouve meu grito

Pela tua preservação

Exportam todo o teu palmito

Já escasseia teu líquido

Na mesa da população.

 

Afasta-te, grileiro!

Preserve o verde vegetal!

Neste pedaço brasileiro

Eu tenho um açaizeiro

No fundo do meu quintal.

 

(Este poema foi escrito em 1983 e declamado pelo poeta num CLIP produzido e exibido na época pela TV Cultura do Pará.)

O GARIMPEIRO

 

Autor: Graciliano Ramos

A mente do garimpeiro

Só pensa em riqueza

Destrói a Natureza

Dizendo ser Brasileiro.

Depois vai para a cidade

Pedindo piedade

E viver na maior pobreza.

 

Saudades do meu sertão

Aqui tudo é tristeza!

 

Pra cidade vai preocupado

Sem estudo ou profissão

Procura a construção

Mas na obra é renegado.

Não tem carteira assinada

Vagueia pela calçada

É preso de arrastão.

 

Saudades da minha enxada

Que não me deixava sem feijão!

 

Pela selva de concreto

A mulher anda o dia inteiro

A filha pede dinheiro

Neste mundo frio e incerto.

De vida triste e mesquinha

O filho vira trombadinha

Cheira cola de sapateiro.

 

Este é o retrato

Do excluído brasileiro!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

CARAJÁS

 

Autor: Graciliano Ramos

Mais perto do céu

A nuvem é um véu

E o sol cor dos inajás

A brisa não se encerra

Em cima da rica serra

Dos valentes Carajás.

 

O grande trem vai partindo

Na distância sumindo

Estremecendo este chão

Deste grande império

Vai levando o minério

Para o Maranhão.

 

É neste belo ensejo

Que de cima vejo

Os anajazeiros

Destes vales multicores

Me encantam as flores

Dos coloridos ipeseiros.

 

Canto da araponga

Pela floresta longa

Retine na serra

Estou no meio da nuvem

Com as plantas que surgem

Do seio férreo da serra.

 

Mais perto do céu

Eu fico ao léu

Distante do mar

Olho para o infinito

Este azul tão bonito

Não posso levar.

 

Sou o último índio

De uma nação se extinguindo

Vigilantes tajás

Só restou-me a guerra

Defendendo a serra

Dos valentes Carajás.

O AMANHECER

 

Autor: Graciliano Ramos

O sol adentro invadiu pela janela

Ouvi o triste som do sino da capela

O violeiro entoou sua Aquarela

O velho Chico desenrola a vela

A Margarida passa mais bela

O vento forte sacudiu a saia dela.

 

A saracura canta no igarapé

Tapioqueiro vem gritando a pé

Vou comprar pão na baiuca do seu Zé

Seu prefeito abre a janela do chalé

Vi a fumaça saindo da chaminé

Por onde passo sinto cheiro de café.

 

Ouvi o padre rezando Ave Maria

Da janela tomei bênção da titia

É maré alta, é maré baixa, é maresia

Este veleiro já é minha moradia

O pescador faz a hora, faz o dia

O vento norte é que me leva pra Vigia.

 

O carimbó na eletrola

Tocando uma velha viola

O cego pede esmola

O aluno passa pra escola

Chutando uma bola

Que no mangue se atola.

 

Nessa manhã que encanta

O galo que canta

Para o Sol que aponta

O Chico se espanta

E Maria se levanta

Ainda um pouco tonta.

 

Rompeu a aurora

Já está na hora

A criança chora

O barco lá fora

O Chico implora

Maria não vá embora!

 

É dia, é hora!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O RETIRANTE

 

Autor: Graciliano Ramos

Botou o pé na estrada

Sua mãe lhe abençoou

Nesta longa caminhada

Com saudade da terra amada

Outro rumo ele tomou.

 

A viola no pescoço

O chapéu de barbicacho

Ele ainda muito moço

Curtindo o alvoroço

Do sertão de cabra macho.

 

Naquele seco sertão

O sol a pino escaldante

A poeira cobria o chão

Porém não foi tão em vão

O destino do viajante.

 

Uma cabaça com água

Um pedaço de rapadura

Os olhos rasos d’água

O coração cheio de mágoa

Segue em busca de aventura.

 

No meio da caatinga

Ouve o chocalho da cascavel

Olha a bica que nem pinga

Vê as pegadas na tabatinga

De um cavalo a tropel.

 

A tarde indo embora

Ao canto da acauã

O medo do caipora

Ele conta cada hora

À espera do amanhã.

 

Tão distante o galo canta

Ele marca a direção

De repente se levanta

Pés no chão se adianta

Como um faminto cão.

 

Prossegue o retirante

A sua vista não falha

Da tiririca cortante

Ele vê tão distante

Uma casa de palha.

 

A moça levanta e para

Traz no semblante o sentimento

Seu marido lhe deixara

O viajante vê em sua cara

As marcas do sofrimento.

 

Ela a roupa enxágua

Deixando a gamela no chão

Vai ao pote tirar água

Esquecendo a sua mágoa

E lhe oferece com satisfação.

 

E viveram felizes para sempre!

O PEQUENO GRANDE HOMEM

 

Autor: Graciliano Ramos

Sou pequeno grande homem

Peito avante varonil

Salve! Salvem as crianças

Deste rico pobre Brasil!

 

País rico povo pobre

Serras de ouro moeda de cobre!

DEPOIS DO BANHO DE MAR

 

Autor: Graciliano Ramos

Depois do banho de mar

Aprecio o colorido

Você veste o seu vestido

Azul do infinito.

 

Depois do banho de mar

Você chega de mansinho

Me abraça com carinho

Eu deito e rolo no seu ninho.

 

Depois do banho de mar

Uma mesa arrumada

A minha rede atada

Para nós dois minha amada.

 

Depois do banho de mar

Tem a brisa do entardecer

À noite vou te aquecer

Pois vivo pra te querer.

 

Depois do banho de mar

Somos recém-casados

Eternos enamorados

No trapiche a passear.

 

Depois do banho de mar

Deixa o sereno molhar

Deixa a lua clarear

Pois nasci pra te amar

 

Depois do banho de mar..

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Trapiche da Vila (FOTO: Eduardo Anselmo – 2010)

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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Cachos de Açai

Eu te enrosco como um cipó que abraça
Me envolvendo neste corpo gentil
Um cão que rosna farejando sua caça
Um tucano fugitivo da fumaça
Sobrevoando este pedaço de Brasil.

Quando escuto este teu suave canto
E o chiado dos teus passos neste chão
O teu perfume seca o rio do meu pranto
A tua voz me desperta deste encanto
O teu sorriso afugenta a solidão.

Tu te embrenhas por esta noite calada
E a mim surges sem medo da escuridão
A mãe da lua canta para a madrugada
Chegas sorrindo como a flor desabrochada
E me estremeces com essa febre de paixão.

Minha morena no seio da mata virgem
Eu te espero no pé de taperebá
As retinas dos teus olhos me atingem
E teus cabelos negros de fuligem
Cachos de açaí onde canta o sabiá.

Mas me entristeces quando finda a madrugada
Fico pensando quando voltarás aqui
Desapareces na curva da longa estrada
A minha mente fica toda embaraçada
E amanheço com o cantar do bem-te-vi.

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Açaizeiros (FOTO: Wanzeller, 2010).